quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

(Heather Mitchell)

        Jesse fitou em silêncio enquanto Ruby se afastava, segurando as mãos alvas e pequenas de Benjamin por entre as suas. Não demorou muito para que Roxanne surgisse entre os dois irmãos Hooper, abraçando Daniel, o mais novo deles.
        - Não se preocupe – a garota murmurou, ao perceber o olhar de Jesse por sobre sua irmã – Ela está um pouco confusa, mas eu sei que gosta de você. Não desista assim...
        - Não conheço a palavra ‘desistir’ – ele respondeu, sorrindo.
        - Ótimo então. Bem, eu e Danny iremos dar uma volta por aí. Quanto a você, está liberando para correr atrás de minha irmã o quanto quiser. Até mais.
        - Acho que meu irmãozinho adoraria ir ver palhaços, não é, “Danny”?
        O mais velho dos Hooper sentiu o olhar de seu irmão caçula fulminando-o, pouco antes que Daniel desse as costas e começasse a caminhar para longe. A mão direita entrelaçada carinhosamente na de Roxanne e a direita em suas costas, formando um gesto obsceno direcionado exclusivamente para Jesse.
        O rapaz passou as mãos por seus cabelos louro-queimados, sentindo-se nervoso. Ele se percebeu solitário apenas após alguns minutos, quando fitava as nuvens cinzentas e ameaçadoras no céu e viu que não havia com quem comentar que uma das nuvens parecia uma mulher nua. Mas por mais solitário que Jesse Hooper estivesse naquele momento, ele sabia não ser o único desde o primeiro momento no qual fitara aquele par de olhos escuros e inescrutáveis pertencentes àquela garota de pele alva e cabelos castanhos. Aquele olhar perdido, vago, solitário e confuso, que lhe estava fitando de modo discreto naquele exato momento.
        Próxima ao carrossel, onde Ben rodopiava sem parar, acenando com uma das mãos e segurando sua bexiga azul com a outra, Ruby olhava para Jesse com o canto dos olhos, sem conseguir interromper o forte e hipnotizante contato visual que havia se estabelecido entre eles.
        O rapaz acenou com uma das mãos. A menina retribuiu com um sorriso enviesado.
        Ele tomou a decisão de ir até ela. Desistir estava fora de cogitação, e ele sabia disto pelo modo como ela lhe parecia irresistível com o sol frio daquele dia batendo nas bochechas avermelhadas dela, e pelo modo casual como seus cabelos eram movimentados por uma brisa.
        Jesse não chegou a dar mais de três passos.
        Alguém entrou diante dele. Uma garota alta, loura e incrivelmente familiar.
        - Oi você. – ela murmurou, sorridente.
        - Hein?
        - Jesse, não é?
        Jesse passou as mãos por sobre os cabelos mais uma vez, fitando a loura que havia se posto diante dele. Fungou ao sentir o perfume floral que ela exalava. Sempre fora alérgico a flores, e ir a um festival da Primavera não estava sendo a melhor de suas idéias.
        - Nos conhecemos?
        - Você não se lembra? – ela pareceu surpresa.
        - Céus. Olhe, antes que você me bata, grite comigo ou me chame de canalha, pode pelo ao menos me dizer pelo quê eu estarei apanhando?
        - Do que está falando?
        - Eu provavelmente estava bêbado...
        - Quando entrou ontem no restaurante e eu te dei meu telefone? Bastante sóbrio, para falar a verdade – ela murmurou sorridente. – Você parecia bêbado ao sair de lá, depois de alguns whiskys.
        - Ah – ele exclamou, compreendendo. Não havia dormido com ela, embora ela fosse exatamente o tipo que ele normalmente levaria para sua cama. Era a garçonete loura da outra noite. Bonnie, Becky... – Sim, eu me lembro...
        - Cecil. E você é Jesse.
        - Cecil, eu sabia...
        - Bom, Jesse... Você está desacompanhado? Por que eu adoraria alguém para ir comigo até a barraca de doces...
        O rapaz pensou em como responder que já estava prestes a ir atrás de uma garota que nada queria com ele, quando Cecil foi interrompida por outra garota loura, desta vez magricela, baixinha e escoltada por duas outras garotas.
        - Doces? Deste jeito seu sutiã 46 não lhe irá servir, Cecil.
        - Olá, Heather querida! – Cecil murmurou, virando-se para a outra loura. Trocaram breves olhares fulminantes – Já está soltando seu veneno, tão cedo assim?
        - E você já está tão desesperada, para dar em cima do cara novo?
        - Estávamos conversando.
        - Claro – a garota de nome Heather deixou escapar uma gargalhada, que foi complementada pelas duas garotas que lhe escoltavam. – Considerando que, após uma conversa com você, os rapazes já estão em sua cama.
        - Absurdo.
        - Mas eu acho que se você substituísse sexo por um pouco de academia, pelo ao menos não veríamos sua celulite dos portões do Festival... Só uma dica de amiga.
        Cecil se encolheu ligeiramente, como se Heather fosse uma grande ameaça. O fato é que de assustadora, a menina loura, delicada e sorridente diante de Jesse não tinha nem o fio de cabelo. Era magricela, com o corpo de uma criança de aproximados 12 anos. Jesse apostaria em Cecil, caso houvesse uma briga entre as duas.
        - Bem... – a mais voluptuosa das loiras pigarreou, virando-se para Jesse mais uma vez – Devo ir agora. Foi bom lhe encontrar novamente.
        O rapaz notou que os olhos escuros de Cecil estavam consideravelmente mais úmidos do que a segundos atrás, e não precisou de seu irmão com seu conhecimento-Cosmopolitan para perceber o que se passava na cabeça da menina que agora se afastava pela multidão do festival; Ela estava se sentindo gorda diante da garota com o estereótipo Vogue que era Heather. De algum modo, com poucas palavras e olhares, Heather havia feito Cecil pensar que ter um corpo dotado de curvas era errado, que o manequim 34 era o ideal, enquanto o 38 era o que havia de mais próximo da obesidade mórbida.
        Jesse discordava. Entre Cecil e Heather, ficaria com Cecil, apesar de a outra ter um rosto muito mais bonito. Em compensação, entre todas as garotas presentes naquele festival, ele tinha a completa certeza de que escolheria Ruby sem ao menos pensar.
        A magricela loura diante do rapaz deixou escapar um pigarro e olhou diretamente para suas duas companheiras – que, como pode perceber Jesse, eram tão magras quanto a amiga –. As duas giraram por sobre seus calcanhares e se afastaram, murmurando um uníssono “Até mais, Heather” que pareceu a Jesse incrivelmente robótico.
        - Parece que alguém aqui tem um grande poder persuasivo – Jesse murmurou, quando os grandes olhos amendoados da menina o fitaram novamente. Ela sorriu.
        - Sou apenas determinada. E se quero algo, não me importa quem também quer; eu não descanso até obter.
        - Uma mulher decidida. – ele sorriu, surpreso com a determinação daquela garota pequena – Você não acha que isto pode intimidar garotos?
        Heather pareceu refletir brevemente por sobre as palavras do rapaz.
        - Você se sente intimidado?
        - Não.
        - Ótimo então. – ela sorriu novamente e estendeu uma de suas mãos delicadas. Estava adornada com anéis, pulseiras e tinha as unhas pintadas de vermelho-sangue – Creio que não nos apresentamos corretamente. Meu nome é Heather Mitchell.
        - Jesse Hooper.
        - Sim, eu sei. Mudou-se para cá a pouco mais de uma semana, com seu irmão menor. Daniel, certo?
        - Parece que estou em desvantagem por aqui. – Jesse riu, encabulado – Como você sabe todas estas coisas sobre mim?
        - Papai é prefeito da cidade. – Heather murmurou sorridente, dando a volta em torno de Jesse. Ela segurou a mão dele com firmeza e começaram a andar pelo festival sem que o rapaz sequer percebesse. – Eu posso saber tudo o que quiser, sobre qualquer pessoa em especial.
        - Isto é... Um pouco assustador.
        - Que seja. Sei mais sobre você que qualquer garota nesta cidade. Inclusive Cecil, a desesperada. Por exemplo, eu duvido que ela saiba que seu nome do meio é Anthony, que estes seus olhos esverdeados vêm da sua avó, que sua música favorita é...
        - Opa... Você sabe todas estas coisas através de seu pai?
        - O que posso fazer? Sou determinada – ela sorriu, parando diante dele. Jesse percebeu que haviam se afastado bastante de onde estiveram antes. Estavam agora em um canto afastado do festival, Jesse recostado em um carrinho de cachorros-quentes e Heather diante dele. – Quando me interesso por alguém, descubro-lhe a vida.
        - Percebe que está pretendendo fazer exatamente o que disse para Cecil não fazer?
        - Claro que percebo – ela sorriu, passando seus dedos enfeitados lentamente por entre os botões da camisa de Jesse. Ela se aproximou e desferiu um leve beijo em seu pescoço. Ele não fez objeção e ela repetiu o ato. – Foi por isto que eu a fiz cair fora.
        Os lábios de Heather procuraram cegamente pelos de Jesse. Quando se encontraram, a menina o empurrou com força contra o carrinho de cachorros-quentes no qual os dois jaziam recostados e o envolveu com as mãos pequenas e enfeitadas.

domingo, 6 de dezembro de 2009

(Sisters)


        - Você chamou os Hooper, Roxanne! Eu não acredito nisso. – Ruby murmurou, puxando sua irmã para um canto, enquanto colocava Benjamin no chão novamente. O menino correu até Elizabeth, que não se encontrava muito longe dali, sempre levando consigo seu grande balão de gás azul.
        - Sabe... Se eu fizesse uma lista das pessoas mais chatas que eu já conheci em minha vida, você definitivamente seria a primeira. – Roxanne respondeu – Relaxe, irmãzinha. São só dois rapazes, já lidamos com coisas piores.
        - Olhe, Roxanne... Eu estou tentando colocar um ponto final em uma possível existente relação com Jesse. Você está dificultando, trazendo-o para perto de mim.
        - Você se sente balançada? – a mais nova das gêmeas sorriu, rodeando a irmã. – Você o acha uma gracinha, pode falar!
        - Jesse é... Irônico, rude, egocêntrico...
        - ... Lindo...
        - É... Lindo. E você mal imagina o que ele esconde abaixo daquela blusa – Ruby deixou escapar por entre risadas suas e de sua irmã. Arrependeu-se em seguida do que havia dito, quando Roxanne deixou escapar um grito agudo e animado, enquanto dançava uma coreografia esquisita e empolgada em torno de sua gêmea.
        - Ai... Meu... Deus! – Ela parou novamente, diante do que parecia um espelho, não fosse pela ausência do sorriso na face – Ruby, como assim? Meu Deus, minha irmã é uma tarada. Não acredito em uma coisa destas. Logo você?
        Roxanne continuou gritando por mais alguns minutos, atraindo a atenção de alguns transeuntes desconhecidos e inclusive dos próprios irmãos Hooper, que fitavam-nas com interesse, mas sem ousarem se aproximar.
        - Shhhhh – Ruby murmurou, tentando conter a irmã que a encarava – Eles vão ouvir.
        - Ouvir o que? Que você acha o Jesse gostoso? Que ouçam – Roxanne desabou em gargalhadas enquanto abraçava a irmã pelo pescoço – Ah Ruby, você está caidinha por ele, pode admitir!
        - Não. – Ruby exclamou, retirando os braços de sua irmã, que jaziam ao redor de seu pescoço – Não estou caidinha. Você sabe no que isso dará.
        Roxy continuou fitando a irmã, sem saber ao certo o que ela estava querendo dizer com aquilo. Quando entendeu, por fim, revirou os olhos em uma expressão repleta de tédio e parou definitivamente de gritar. Murmurou:
        - Ruby, já faz três anos... Você não pode morrer solteira, apenas por causa daquilo.
        - Eu não posso me envolver.
        - Argh, você está sendo ridícula. Jesse não é James. Aliás, eu gosto muito mais de Jesse. Ele parece ser mais selvagem.
        - Então fique com ele, ora.
        - Nem pensar. Eu quero o Danny – ela exclamou – Romântico e que cozinhará para mim para o resto de nossas vidas.
        - Você não entende mesmo, não é?
        - Hm... Não. Acho que você está sendo ridícula.
        - Imaginei – Ruby revirou os olhos.
        - Quais são as chances de que isso aconteça novamente com você, Rub? Viva sua vida e pare de pensar nestes fantasmas do passado.
        - Não é tão simples.
        - Me parece simples. Vai me dizer que também nunca terá filhos?
        - O qu...?
        - Para não morrer como mamãe e papai, claro, deixando seus filhos sozinhos e com apenas uma história mal-contada de caçadas misteriosas. Porque tudo de ruim acontece em nossa família e, de acordo com o que você acredita, irá continuar acontecendo eternamente, até que nos tornemos velhas sozinhas e sem filhos, sem marido, sem ninguém a não ser nós mesmas.
        - Você não entende, Roxy – Ruby exclamou, já visivelmente irritada.
        - Tem razão, eu não entendo. Eu só queria minha irmã de volta e, por um breve instante, eu achei que a Ruby legal e divertida, que eu poderia realmente considerar minha irmã gêmea, havia retornado. E então a Ruby chata tomou conta novamente.
        A mais nova das gêmeas Ward deu de ombros para sua irmã, dando-lhes as costas em seguida e andando animadamente até os dois irmãos Hooper, que continuavam parados conversando, enquanto lançavam olhares curiosos para as gêmeas. Ruby permaneceu imóvel por alguns segundos, sentindo as palavras de Roxanne estalarem contra sua face como uma mão aberta e forte.
        - Você me leva no carrossel?
        - Hein? – Ruby fungou, percebendo o quão úmidos seus olhos estavam – Oh, olá Ben.
        Ela fitou o órfão lourinho de seis anos de idade. Seu irmão.
        - Me leva?
        - Claro, vamos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

(Brothers)

        - Quer parar de mexer neste seu cabelo? – Ruby exclamou, incrivelmente irritada, enquanto sua irmã entrelaçava os dedos em suas madeixas castanhas pelo que parecia ser a vigésima terceira vez naquele dia. – Está ótimo, e você está me irritando.
        - Ai, que chata – Roxanne gemeu, passando seus cabelos por sobre os ombros. – Eu só quero que ele fique legal. Sem graça do jeito que ele está, eu fico parecendo com... Você.
        - Então você está linda.
        - É – Roxy respondeu, sarcástica – Talvez para Jesse, ou algum cego.
        - É, para ficar bonita para Daniel, você só precisa agir como você mesma. – Ruby respondeu, com o mesmo nível de sarcasmo – Quer uma melancia para colocar na cabeça?
        - Do que está falando?
        - Bem, Rox, digamos apenas que você é o cúmulo da discrição.
        - Ai, quer parar de... Olha, é ele! – a garota parou sua frase pela metade, quando viu dois rapazes andando lado a lado, próximos ao arco florido que delimitava o começo do Festival da Primavera. Roxanne começou a gritar e balançar os braços, para que Jesse e Dan Hooper as vissem – Danny? Danny! Oi!
        - Roxy! – Ruby sussurrou entre dentes, puxando as mãos da irmã para baixo. – Você chamou os Hooper? Por quê?
        - São nossos vizinhos e novos na cidade... Jesse te acha uma gracinha, apesar de eu não perceber o que ele vê em você... E... – a menina abaixou seu tom de voz em milhares de decibéis antes de terminar a frase – Dan Hooper me beijou e nós temos um encontro hoje.
        - O quê? – Ruby gritou, mas sua irmã já havia lhe dado as costas e acenava novamente para os dois rapazes ao longe. Jesse a avistou e cutucou seu irmão com o cotovelo, apontando para a garota de cabelos castanhos que pulava e sacudia os braços.
        Os irmãos se entreolharam, antes de Daniel dizer.
        - Roxy.
        - Definitivamente. – acrescentou Jesse.
        - Oi Danny! Fico feliz que tenha vindo. – Roxanne sorriu por um instante, encarando os olhos incrivelmente verdes do rapaz. Percebeu, então, o Hooper mais velho parado ao lado de Dan, encarando-a com um sorriso. – Você também, Jesse... Ruby está logo ali, próxima à barraca de balões.
        - É... – Jesse murmurou, pousando seu olhar em uma Ruby diferente da que ele já havia visto. Ela estava sorrindo, enquanto segurava Ben no colo e ele explicava a ela, com dificuldade, algo relacionado a seu balão.
        - Jesse... – Daniel murmurou em meio a um falso acesso de tosse.
        - Que? Ah! Sim... Eu vou... Para casa, eu acho. – Jesse murmurou, lançando mais um olhar para Ruby. Ela agora apresentava Ben a um palhaço. O Hooper mais velho conteve uma risada ao pensar em seu irmão menor.
        - Roxy, pode nos dar licença por um momento? – Daniel pediu à garota, enquanto fitava seu irmão com um olhar preocupado.
        - Claro, Danny. Estarei ali com minhas irmãs.
        Roxanne deu as costas para os irmãos Hooper e andou graciosamente em direção à Ruby e Benjamin, que haviam reatado a conversa sobre o balão do menino. A gêmea mais velha perguntou algo para sua irmã, com uma feição séria tomando conta de seu rosto.
        - Não é porque ela te deu o fora que você precisa fugir dela.
        - Opa, o que é isto? Conselho da última revista adolescente? Eu estou bem.
        - Sério, Jesse.
        - Sério, Dan.
        - Vá falar com ela então. Podem ser amigos.
        - Dan, eu creio que meu conceito de amizade entre homem e mulher é completamente diferente do seu.
        - Quer parar de pensar apenas em sexo?
        - Sou movido por estes pensamentos. Sinto muito.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

(Clowns)


        - O que você disse mesmo que era? – perguntou Jesse ao surgir na apertada sala de televisão da casa dos Hooper. Daniel amarrava seu tênis com uma grande concentração, o que indicava que seus pensamentos estavam longe dali; a televisão exibia uma repórter japonesa notificando que a polícia estava atrás do ‘sádico assassino’, nas palavras dela, que havia drenado o sangue de dezenove corpos de mulheres de oito a trinta anos.
        - Acontece todos os anos. Como um festival desta época do ano... Tem comida, o que já é o bastante para que você queira ir... Ruby vai, o que já praticamente te levou até lá. E também brinquedos, crianças, pessoas fantasiadas de palhaços...
        Foi o bastante para que Jesse começasse a rir de modo descontrolado.
        - O que foi?
        - Isto é sério? – O mais velho dos Hooper murmurou, com as mãos comprimindo a barriga dolorida e algumas lágrimas saindo de seus olhos. – Seriamente sério?
        - Olha, não estou te obrigando a ir... Se vai tirar uma com a minha cara, então...
        - Não é isto. Palhaços, Dan.
        - O que tem?
        - O que tem? Você não conseguiu dormir em sua própria cama por uma semana, após ler aquele livro do Stephen King, morre de medo do Bozo, e não consegue comer no McDonnalds... Quer que eu continue?
        - É legal para você me encher o saco?
        - Incrivelmente – Jesse respondeu com um sorriso.
        Daniel se levantou do sofá, com seu par de tênis já devidamente amarrados e andou pela sala, passando as mãos por sobre os olhos. Abriu e fechou a boca diversas vezes, antes que parasse finalmente para fitar seu irmão e falar:
        - Sabe, Jesse... Milhares de pessoas têm medo de palhaços.
        - Mas nenhuma delas está indo nesta comem..
        - Lá terá também uma roda gigante. – Daniel interrompeu o irmão – Sabe? Daquelas bem altas.
        - Desde que eu esteja com meus pés firmes no chão, eu estou bem.
        - Ouvi falar que Ruby acha aquelas rodas gigantes incrivelmente românticas, sabia?
        - Mentiroso.
        Daniel foi quem riu desta vez.
        - Quem está com medo agora, Jesse?
        - Não enche o saco – Jesse respondeu, andando de modo emburrado até a cozinha da casa apertada que os Hooper haviam alugado. Ele pegou as chaves da porta principal, que jaziam penduradas em um pequeno gancho de prata na parede, e pendurou ali as chaves de seu Plymouth. Estava destrancando a porta quando Daniel apareceu na cozinha, segurando seu casaco. O dia amanhecera nublado e hostil, mas não havia tido nenhuma previsão de chuva, e o clima parecia que se manteria consideravelmente estável.
        - Você vai mesmo? – Dan riu.
        - Vou. E se você se comportar, eu deixo que tire uma foto com Ronald McDonald.
        O sorriso de Daniel se desmanchou enquanto Jesse deixava o seu transparecer em seu rosto.
        Os dois andaram em silêncio pelas calçadas brancas de concreto, na direção que havia sido indicada por Roxanne naquela manhã. Daniel conseguira uma desculpa para que pudesse ir vê-la toda manhã enquanto ia ao trabalho: Tinha que comprar ingredientes para o café-da-manhã.

        “- Quer sair hoje, Danny? É o festival da Primavera, bem no fim da rua, em um lote vago que alugamos todos os anos. É só você andar reto, e logo irá ver uma roda gigante imensa. Eu e minhas irmãs vamos, e você pode levar Jesse. É bom para que vocês conheçam a vizinhança...
        - Seria ótimo. – ele respondera, naquela manhã.
        - Então eu te vejo lá. Começa as quatro da tarde. Até mais – Roxanne sorriu, e fez algo incrivelmente inesperado. Ao invés do beijo estalado na bochecha que ela dera em Daniel, na manhã passada, o beijo estalou nos lábios do rapaz.”

        - Como ficou sabendo desta comemoração? – Jesse quebrou o silêncio, colocando as mãos nos bolsos da calça. Viu seu irmão corar e abriu um sorriso satisfeito. – Hmmm... Roxanne, não foi?
        - Foi.
        - Quer dizer que Dan vai ver a namorada hoje...
        - Ela não é minha namorada.
        - Mas você queria que fosse.
        - Pelo ao menos eu tenho algum avanço em meu relacionamento. E quanto a você e Ruby? Frio como o Pólo Norte. – Daniel retrucou, enquanto uma brisa fria batia contra suas bochechas quentes e vermelhas.
        - Vá se ferrar.
        Os dois continuaram em silêncio por mais alguns instantes, até que viram a ponta de uma roda-gigante aparecer no horizonte. Mais alguns passos, e puderam sentir o cheiro da pipoca, ouvir as risadas de crianças e ver o gramado incrivelmente verde e cheio de vida se estendendo por sob os pés de dezenas de pessoas, como um carpete novíssimo.
        - O que Ruby queria te falar ontem?
        - Não lhe interessa.
        - Tudo bem. Não pergunto mais – Dan murmurou, erguendo os braços como se estivesse se rendendo. – Só estava curioso.
        O mais novo dos irmãos Hooper voltou-se novamente à passarela de concreto que se estendia inabalável diante dos dois. Deu alguns passos, até perceber que Jesse havia ficado para trás, com uma feição pensativa no rosto; Os lábios crispados.
        - Ela colocou um ponto final.
        - O que?
        - Ruby – ele murmurou, passando as mãos pelos cabelos – Colocou um ponto final em qualquer possível relacionamento que se criaria entre nós.
        - Com base em...?
        - Eu a beijei. Ontem. Pouco antes da confusão toda com Ben.
        Um momento de silêncio entre os irmãos, no qual Jesse se lembrava das exatas palavras que Ruby havia utilizado noite passada, para mandá-lo embora. “Um erro, Jesse, não irá se repetir”.
        - É, Jesse. – murmurou Dan, cauteloso com as palavras que usava – Nem todas são como Patty Martin.
        - Quem?
        - Em Ohio, junho de 2003.
        - Oh sim, Patty – Jesse abriu um sorriso sonhador – Eu lembro-me bem dela. Sabia que ela era professora de Ioga? Conseguia colocar os pés na cabeça.
        - E qual a utilidade disto?
        - Posso lhe citar pelo menos trinta e sete utilidades. Todas sexuais.
        - Informação demais, Jesse – Daniel exclamou, com uma careta perpassando seu rosto – Agora ficarei com imagens em minha cabeça.
        - O fato, Dan, é que eu estou abaixo do Pólo Norte. Tão abaixo que mal consigo enxergar meu alvo. – o rapaz murmurou, fungando, enquanto sentia uma coceira estranha em seu nariz.
        - Eu fico até feliz com isto. – Daniel confessou.
        - Você é um cretino.
        - Um cretino, nerd, que pela primeira vez conseguiu ganhar a garota primeiro. – o mais novo dos Hooper riu, enquanto seus pés tocavam a grama e ele atravessava um arco de flores que dava para o Festival da Primavera de Cary.