- O que você disse mesmo que era? – perguntou Jesse ao surgir na apertada sala de televisão da casa dos Hooper. Daniel amarrava seu tênis com uma grande concentração, o que indicava que seus pensamentos estavam longe dali; a televisão exibia uma repórter japonesa notificando que a polícia estava atrás do ‘sádico assassino’, nas palavras dela, que havia drenado o sangue de dezenove corpos de mulheres de oito a trinta anos.
- Acontece todos os anos. Como um festival desta época do ano... Tem comida, o que já é o bastante para que você queira ir... Ruby vai, o que já praticamente te levou até lá. E também brinquedos, crianças, pessoas fantasiadas de palhaços...
Foi o bastante para que Jesse começasse a rir de modo descontrolado.
- O que foi?
- Isto é sério? – O mais velho dos Hooper murmurou, com as mãos comprimindo a barriga dolorida e algumas lágrimas saindo de seus olhos. – Seriamente sério?
- Olha, não estou te obrigando a ir... Se vai tirar uma com a minha cara, então...
- Não é isto. Palhaços, Dan.
- O que tem?
- O que tem? Você não conseguiu dormir em sua própria cama por uma semana, após ler aquele livro do Stephen King, morre de medo do Bozo, e não consegue comer no McDonnalds... Quer que eu continue?
- É legal para você me encher o saco?
- Incrivelmente – Jesse respondeu com um sorriso.
Daniel se levantou do sofá, com seu par de tênis já devidamente amarrados e andou pela sala, passando as mãos por sobre os olhos. Abriu e fechou a boca diversas vezes, antes que parasse finalmente para fitar seu irmão e falar:
- Sabe, Jesse... Milhares de pessoas têm medo de palhaços.
- Mas nenhuma delas está indo nesta comem..
- Lá terá também uma roda gigante. – Daniel interrompeu o irmão – Sabe? Daquelas bem altas.
- Desde que eu esteja com meus pés firmes no chão, eu estou bem.
- Ouvi falar que Ruby acha aquelas rodas gigantes incrivelmente românticas, sabia?
- Mentiroso.
Daniel foi quem riu desta vez.
- Quem está com medo agora, Jesse?
- Não enche o saco – Jesse respondeu, andando de modo emburrado até a cozinha da casa apertada que os Hooper haviam alugado. Ele pegou as chaves da porta principal, que jaziam penduradas em um pequeno gancho de prata na parede, e pendurou ali as chaves de seu Plymouth. Estava destrancando a porta quando Daniel apareceu na cozinha, segurando seu casaco. O dia amanhecera nublado e hostil, mas não havia tido nenhuma previsão de chuva, e o clima parecia que se manteria consideravelmente estável.
- Você vai mesmo? – Dan riu.
- Vou. E se você se comportar, eu deixo que tire uma foto com Ronald McDonald.
O sorriso de Daniel se desmanchou enquanto Jesse deixava o seu transparecer em seu rosto.
Os dois andaram em silêncio pelas calçadas brancas de concreto, na direção que havia sido indicada por Roxanne naquela manhã. Daniel conseguira uma desculpa para que pudesse ir vê-la toda manhã enquanto ia ao trabalho: Tinha que comprar ingredientes para o café-da-manhã.
“- Quer sair hoje, Danny? É o festival da Primavera, bem no fim da rua, em um lote vago que alugamos todos os anos. É só você andar reto, e logo irá ver uma roda gigante imensa. Eu e minhas irmãs vamos, e você pode levar Jesse. É bom para que vocês conheçam a vizinhança...
- Seria ótimo. – ele respondera, naquela manhã.
- Então eu te vejo lá. Começa as quatro da tarde. Até mais – Roxanne sorriu, e fez algo incrivelmente inesperado. Ao invés do beijo estalado na bochecha que ela dera em Daniel, na manhã passada, o beijo estalou nos lábios do rapaz.”
- Como ficou sabendo desta comemoração? – Jesse quebrou o silêncio, colocando as mãos nos bolsos da calça. Viu seu irmão corar e abriu um sorriso satisfeito. – Hmmm... Roxanne, não foi?
- Foi.
- Quer dizer que Dan vai ver a namorada hoje...
- Ela não é minha namorada.
- Mas você queria que fosse.
- Pelo ao menos eu tenho algum avanço em meu relacionamento. E quanto a você e Ruby? Frio como o Pólo Norte. – Daniel retrucou, enquanto uma brisa fria batia contra suas bochechas quentes e vermelhas.
- Vá se ferrar.
Os dois continuaram em silêncio por mais alguns instantes, até que viram a ponta de uma roda-gigante aparecer no horizonte. Mais alguns passos, e puderam sentir o cheiro da pipoca, ouvir as risadas de crianças e ver o gramado incrivelmente verde e cheio de vida se estendendo por sob os pés de dezenas de pessoas, como um carpete novíssimo.
- O que Ruby queria te falar ontem?
- Não lhe interessa.
- Tudo bem. Não pergunto mais – Dan murmurou, erguendo os braços como se estivesse se rendendo. – Só estava curioso.
O mais novo dos irmãos Hooper voltou-se novamente à passarela de concreto que se estendia inabalável diante dos dois. Deu alguns passos, até perceber que Jesse havia ficado para trás, com uma feição pensativa no rosto; Os lábios crispados.
- Ela colocou um ponto final.
- O que?
- Ruby – ele murmurou, passando as mãos pelos cabelos – Colocou um ponto final em qualquer possível relacionamento que se criaria entre nós.
- Com base em...?
- Eu a beijei. Ontem. Pouco antes da confusão toda com Ben.
Um momento de silêncio entre os irmãos, no qual Jesse se lembrava das exatas palavras que Ruby havia utilizado noite passada, para mandá-lo embora. “Um erro, Jesse, não irá se repetir”.
- É, Jesse. – murmurou Dan, cauteloso com as palavras que usava – Nem todas são como Patty Martin.
- Quem?
- Em Ohio, junho de 2003.
- Oh sim, Patty – Jesse abriu um sorriso sonhador – Eu lembro-me bem dela. Sabia que ela era professora de Ioga? Conseguia colocar os pés na cabeça.
- E qual a utilidade disto?
- Posso lhe citar pelo menos trinta e sete utilidades. Todas sexuais.
- Informação demais, Jesse – Daniel exclamou, com uma careta perpassando seu rosto – Agora ficarei com imagens em minha cabeça.
- O fato, Dan, é que eu estou abaixo do Pólo Norte. Tão abaixo que mal consigo enxergar meu alvo. – o rapaz murmurou, fungando, enquanto sentia uma coceira estranha em seu nariz.
- Eu fico até feliz com isto. – Daniel confessou.
- Você é um cretino.
- Um cretino, nerd, que pela primeira vez conseguiu ganhar a garota primeiro. – o mais novo dos Hooper riu, enquanto seus pés tocavam a grama e ele atravessava um arco de flores que dava para o Festival da Primavera de Cary.