- No armário. Acima do microondas – Ruby disse baixinho, assim que Jesse a posicionou sentada na bancada fria de mármore branco da cozinha. O vermelho tingia seu joelho, o ardor tomava conta de sua perna. E a adrenalina estava sendo injetada em seu sangue, por estar a mais de dez minutos no mesmo cômodo que Jesse Hooper.
Ele atravessou a cozinha, em direção ao armário que havia logo acima do microondas. Estava repleto de remédios. O rapaz franziu o cenho, enquanto lia alguns nomes que lhe pareciam incrivelmente complicados e desnecessários.
- Anti-séptico – ele ouviu uma voz por sobre seu ombro.
Ruby estava de pé atrás dele. O vestido rodado balançando suavemente, o joelho em um vermelho vivo com algumas gotas grossas de sangue escorrendo até seu pé. Jesse ergueu ambas as sobrancelhas, segurando três vidros de remédios – dois em uma de suas mãos, e um na outra – enquanto a garota respirou fundo e repetiu
- Anti-séptico... O frasco azul em sua mão direita.
- Ah, claro... Eu... – Ele fitou ambas as mãos por algum segundo, tendo uma dificuldade momentânea de distinguir qual dos vidros era o azul. Colocou os dois outros remédios aleatórios de volta no armário, e virou-se para a menina novamente.
- O algodão fica... Do outro lado.
- Tudo bem. – ele murmurou, passando uma de suas mãos em torno da cintura dela, enquanto fazia questão de que ela apoiasse seu braço por sobre os ombros dele.
- Você está agindo como se eu houvesse quebrado minha perna. – Ruby riu, quando ele a colocou sentada sobre a bancada de mármore novamente, como se ela fosse uma boneca que estivesse sendo exposta em uma prateleira. Uma linda e machucada boneca. – Foi apenas um arranhão.
- Todo cuidado é pouco, não?
Ele sorriu. Foi o bastante para ela.
- Os algodões estão aqui em cima – ela murmurou, ao perceber que estava sorrindo mais do que pretendia. Girou o corpo um pouco, tentando estender sua mão a um armário que ficava exatamente em cima dela, mas ouviu a voz do rapaz novamente.
- Pode deixar. Eu pego.
Jesse estendeu a mão em direção ao armário, abrindo-o à procura de algum algodão. Ruby praguejou silenciosamente, ao perceber que ele estava estendido sobre ela, e praguejou ainda mais ao perceber que estava gostando de sentir o perfume que ele usava.
- Aqui está... – ele murmurou, dando alguns passos para trás. Encarou uma Ruby levemente tonta e mal-humorada.
- Bem... Eu acho que posso continuar daqui. Obrigada Jesse.
- Nem comece. – ele respondeu, colocando o vidrinho lentamente ao lado dela e se ajoelhando diante de seu machucado, analisando-o clinicamente. – Você não vai se livrar de mim assim, tão fácil.
- Jesse... É sério.
- Sabe... – ele se levantou novamente, colocando as duas mãos espalmadas ao lado das pernas dela. Ela estava presa agora. Presa nos braços de Jesse Hooper – Ajudaria um pouco, se você não fosse tão defensiva à minha presença...
Ele estava tão próximo, e no segundo seguinte se afastou dela, ajoelhando-se novamente diante de seu joelho machucado.
Jesse preparou os algodões umedecidos com um líquido, enquanto um silêncio se estendeu por sobre os dois. Na cabeça de Ruby não havia nenhum silêncio, porém. Suas duas vozes colidiam ferozmente, na tentativa de um consenso sobre qual seria sua próxima ação.
“Desça nesse instante, e beije-o. Você sabe que quer isto.”
(De modo algum, Ruby. Você já se esqueceu de James? Não há a menor possibilidade de você se envolver agora. Mande-o embora.)
“Beije-o...”
(Despeça-se)
- Me desculpe – ela murmurou repentinamente, enquanto sentia seu ardor dissipar-se ao entrar em contato com um líquido frio. As vozes silenciaram neste exato momento. Não era mais a Ruby instintiva falando, ou a Ruby apaixonada por James. Era apenas Ruby. A verdadeira.
- O quê? Não, não. – ele murmurou, levantando-se rapidamente. – Me desculpe você por ter dito isto deste modo. Mas o problema é que você é totalmente um enigma para mim. Eu não consigo perceber o que você está pensando ou sentindo.
- Ainda bem.
- Por que diz isto? – ele riu, enquanto colocava um algodão sujo de sangue por sobre a bancada na qual ela estava sentada.
- Bem... Sinceramente, há milhares de Ruby’s em minha cabeça. E eu nunca sei a qual ouvirei. Um lado muito forte meu me manda simplesmente lhe mandar ir embora e nunca mais me procurar novamente... Mas há um outro lado que simplesmente...
“Quer lhe beijar. Quer tirar sua roupa. Quer você”
-... Gosta de sua companhia.
- E qual lado está falando mais alto agora? – ele pegou um pequeno esparadrapo e uma gaze, os quais ele havia retirado do armário de onde pegou os algodões. Abaixou-se novamente diante do joelho arranhado da garota.
- Nenhum. Eu mandei que se calassem.
“Mentirosa”
(É, mentirosa)
- Então eu estou falando com a Ruby real agora?
- Existe apenas uma Ruby... Estes meus pensamentos são apenas... Dúvidas, eu acho.
- Acha?
- Podem ser qualquer coisa. Até um sinal de que eu esteja enlouquecendo.
Jesse riu.
- Posso acrescentar isto à minha lista de coisas interessantes sobre você.
- Coisas interessantes? Não ocupará mais de duas linhas, garanto.
- Até agora, eu tenho mais de duas, se quer saber.
Ele se levantou novamente. Havia terminado o curativo da garota e agora se apoiava em suas duas mãos, que estavam novamente espalmadas na bancada em que Ruby se sentava. Seus olhos estavam mais verdes naquela manhã.
- Conte-me. – ela sussurrou.
Jesse chegou seu rosto bem próximo ao dela, como se fosse lhe contar algo extremamente secreto. Respirou fundo, sentindo o perfume cítrico que a garota usava, e sussurrou ao pé de seu ouvido.
- Você consegue ser incrivelmente amável em um instante, e se tornar fria no momento seguinte. Não se importa se alguém a atropela por acidente, mas se este alguém ousa retirar suas roupas, você surta – ela soltou uma breve risada, nervosa com a proximidade dele – Você gosta de ler Shakespeare e faz anotações inteligentes no canto das páginas amareladas e velhas do livro, você ama seu irmão mais do que ninguém, e que se fecha para o mundo quando escuta o nome de James...
Houve uma pausa.
- E, o principal, tirando esta novidade das milhares de Ruby’s em sua cabeça, é o fato de você ser a primeira pessoa que eu já conheci, que cai de patins em minha frente, machuca o joelho e continua sendo completa e irresistivelmente linda.
Ele se afastou lentamente, sentindo o calor do rosto dela passar para o seu, sem sequer tocá-la. Mas desta vez, ele não deu nenhum passo para trás. Manteve-se diante dela, os narizes dos dois quase se tocando, as mãos dele espalmadas ao redor dela.
- Eu... Não sei o que dizer.
- Não diga. O quê a Ruby em sua cabeça está dizendo agora?
“Beije-o”
(Caia fora)
- Ela quer que eu... O beije.
- E é o que você quer?
- É o que você quer? – ela repetiu sua pergunta.
- Definitivamente.
As Ruby’s se calaram.
Jesse passou uma de suas mãos pela nuca de Ruby, puxando lentamente o rosto da menina contra o seu. Beijou-a vagarosamente, até que ela desceu da bancada na qual estava e seus lábios desencontraram.
- Por Deus – ele murmurou, tonto – foi melhor do que eu imaginei que seria.
E a puxou novamente para si.
Mas desta vez o beijo foi diferente.
Eles eram apenas aquilo, apenas instintos, sentimentos, desejo. Respirar agora parecia desnecessário para os dois, e eles não demoraram muito a ficar sem fôlego. O suéter negro de Jesse jazia no chão da cozinha, e o vestido de Ruby estava consideravelmente amarrotado, com suas alças pendendo por sobre os alvos ombros.
Jesse estava entorpecido. Não se sentia daquele modo desde quando? Talvez de quando ele conhecera uma recepcionista de hotel, e fizera sexo com ela no armário de vassouras. Talvez nem naquele dia ele se sentira tão... Repleto de desejo como estava agora.
Ruby sentiu as mãos do rapaz passarem trêmulas por entre os botões de seu vestido, logo após ela jogar a blusa negra, que ele usava abaixo do suéter, no chão. Ela também não se lembrava de quando se sentira assim, com o coração batendo tão forte que mal podia ouvir as Ruby’s gritando em sua mente.
Fazia três anos que ela não se sentia assim. três anos. Desde que James...
(James!)
“Não, pro inferno com James. Jesse!”
(James, Ruby... Os melhores anos de sua vida, se lembra?)
- Jesse... – ela ofegou por um momento, empurrando o peito nu do rapaz para longe de si. Ele estava quente.
- Não fale – ele respondeu, com um sorriso fraco em seu rosto. Não sabia o motivo de seu coração bater tão forte naquele momento.
Tentou beijá-la novamente, mas Ruby se esquivou.
- Jesse... Não...
Ele precisou de alguns segundos para entender o que estava acontecendo. Em um momento, eles estavam jogando as roupas para o alto, como se fossem fazer sexo ali mesmo, no chão da cozinha. No outro, Ruby simplesmente o empurrava para longe.
- O que houve?
- Eu... Sinto muito – ela murmurou, colocando o rosto por entre as mãos. Seus lábios estavam incrivelmente vermelhos. – Sinto muito, Jesse. Foi um erro.
As três últimas palavras dela o atingiram como um tapa.
Foi um erro.
Jesse olhou para ela, incrivelmente confuso, mas sem sequer cogitar a hipótese de largá-la. Seus braços demoraram a se afrouxar ao redor dela, ao mesmo tempo em que as palavras ficavam claras em sua mente.
- Sim... Um erro... Sim...
- Ben está na sala ao lado.
- Você não precisa se justificar – ele disse – Eu entendi. Acho que é melhor que eu vá embora agora, certo?
- Oh céus. Me desculpe – ela exclamou, ajeitando uma das alças de seu vestido por sobre o ombro. Afundou o rosto em suas duas mãos – Eu não devia ter feito isto. Mas que merda Jesse, me desculpe mesmo.
- Pare de se desculpar. Está tudo bem. – ele murmurou, enquanto abaixava-se para pegar sua camiseta e seu suéter, que jaziam desarrumados no chão de linóleo da cozinha. – Você também é a primeira garota que desiste de fazer sexo comigo no meio do caminho.
Ruby abriu a boca para responder, mas ele ergueu uma das mãos em direção a ela. Tocou-lhe os lábios avermelhados com a ponta dos dedos.
- Não se desculpe! Está tudo bem. Já disse.
Ele passou os braços fortes em torno dela lentamente, trazendo-a para si mais uma vez. Mas Jesse não chegou a tentar roubar-lhe um beijo. Ele apenas a abraçou, sentiu o rosto da menina contra seu peito nu. Sentiu o cheiro cítrico do shampoo que ela usava. Sentiu seu coração bater com mais força. Sentiu que ela era sua.
- Jesse? – Ruby sussurrou contra a pele macia de Jesse.
- Sim?
- Você poderia colocar sua blusa, por favor?
- Ah! – ele exclamou de súbito, percebendo que estava vestindo apenas seu jeans surrado. Soltou Ruby de seu abraço, vendo suas bochechas se avermelharem enquanto ela ria.
Quando Jesse colocou sua blusa, percebeu que estava quente demais para vestir aquele suéter negro que antes estava por cima de suas roupas. Dobrou-o sobre o braço esquerdo.
- Você gostaria de brincar... Comigo e com Ben?
- Eu achei que... – o sorriso dele se iluminou subitamente – Você havia dito que eu tenho mais o que fazer.
- Quer ou não, Jesse?
- Eu adoraria.