terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

(Apologies)

        As coisas estavam começando a fazer sentido para Jesse.
        A tristeza expressa no fundo dos olhos acinzentados e escuros de Ruby, o fato de ela sempre parecer estranhamente melancólica ao ouvir a menção ao nome de James. Até mesmo sua aversão completa ao envolvimento emocional que poderia estar tendo com Jesse naquele momento.
        Ele agora olhava para os ombros nus e pálidos da menina, que se aproximava à medida que ele direcionava seus espaçados passos. Mal chegou perto dela, e as palavras se atropelaram ao sair de seus lábios.
        - Me desculpe.
        Ela pareceu se sobressaltar. Levou as mãos aos olhos rapidamente, e Jesse não precisou estar frente a frente a ela para perceber que ela estava tentando enxugar suas lágrimas de modo desajeitado. Quando ela o encarou, tinha o nariz vermelho e alguns sinais de que andara chorando espalhados pela face.
        - O que você quer? – perguntou, seca.
        - Me desculpe – ele repetiu.
        - Corta essa.
        - É sério, eu...
        - Por que você não guarda esse seu papo pra Heather?
        - Olha...
        - Quer saber? Eu estou cheia de você, Jesse.
        - Eu não sabia – ele exclamou de súbito – Que faria você chorar. Me desculpe.
        Ela o encarou por alguns momentos, sem saber o que responder. Por fim, semicerrou os olhos e disse secamente:
        - Você e seu ego imenso podem ir para o inferno. Eu não estava chorando por sua causa. Você é um cínico, prepotente, um completo idiota. E eu quero que você desapareça de vez da minha frente.
        Jesse olhou atônito para Ruby, que agora se afastava dele a passos largos e firmes. Teve que pensar duas vezes no risco que correria ao ir atrás dela – o de levar uma bofetada ou mais uma torrente de ofensas –, mas ele o fez.
        - Ruby, por favor.
        - Me deixe em paz. – ela exclamou, virando-se para ele mais uma vez – Por quê? Por que você está aqui? Nesta cidade, neste parque? Para confundir minha cabeça?
        - Quer, por favor, conversar comigo?
        - Não, eu não quero falar com você.
        Ele tentou segurar seu braço, mas ela se desvencilhou. Tentou pegá-la no colo, mas ela se afastou. Quando tentou segurar em seus braços mais uma vez, ela tentou bater em Jesse. Mas ele segurou os braços dela firmemente e se aproximou. Colou os braços dela suavemente contra o corpo da garota, sendo eles as únicas coisas que separavam os corpos de entrarem em contato completo. Jesse notou, enquanto eles normalizavam a respiração, que o nariz da garota praticamente tocava o seu.
        - Por favor. – ele murmurou, quando viu que ela havia fechado os olhos e comprimido os lábios. Lágrimas escorriam por seu rosto copiosamente.
        - Me deixe em paz. – ela soluçou.
        - Por favor, Ruby. Não chore.
        - Não estou chorando por você.
        - Eu sei.
        Ele a soltou suavemente, mas ela não se mexeu. Continuou com os olhos fechados despejando filetes de lágrimas que escorriam na direção de seu queixo fino e delicado. Ruby não soube quanto tempo se passou, mas tinha certeza que não veria mais Jesse ao abrir seus olhos úmidos novamente.
        Mas quando ela abriu seus olhos e viu a silhueta embaçada do rapaz ainda diante de si, ela sabia o que iria fazer em seguida. Não queria, aquilo iria contra todos os seus princípios básicos, mas ela estava precisando. E era a Ruby instintiva agindo novamente.
        Ela correu e afundou-se em seus braços fortes.
        Ruby se permitiu chorar desta vez. Estivera tentando conter as lágrimas desde o momento no qual percebera a incrível semelhança entre Ben e seu pai. Jesse, que ainda estava atônito com a ação repentina da menina, apenas se resignou a abraçá-la de volta.
        - Eu sinto muito – ele murmurou. – Eu falei com Heather, e...
        Ela começou a rir contra o peito do rapaz. Risos entrecortados por soluços.
        - E o que ela disse? Que não seria babá de uma órfã? Ou ela colocou a culpa em mim desta vez?
        - A questão é... – ele interrompeu, apertando-a contra si com mais força – Eu sinto muito. Por tudo. Você e suas irmãs têm passado por todo um inferno, desde que...
        Ele deixou a frase no ar.
        Demorou alguns instantes, mas os soluços que saíam do corpo pequeno e delicado de Ruby deixaram de ser tão violentos e passaram a ser apenas reflexos involuntários. As lágrimas também pararam de escorrer de seus olhos, que passaram a fitar o nada de uma forma cansada.
        Jesse olhou para o local onde estavam. Haviam se afastado bastante do Festival de Primavera, e o cheiro forte das flores havia sido substituído pelo cheiro de terra. Estavam próximos a um bosque denso e escuro, por sobre uma ponte curva que encobria um filete d’agua – há tempos atrás, aquilo poderia ter sido talvez um riacho – que corria incansável bosque adentro.
        - O carro deles virou – ela sussurrou.
        - Você não precisa...
        - Eu nunca falei sobre isso. Com ninguém ainda. Nem minhas irmãs, ninguém. Mas eu preciso, não posso ficar para sempre quieta.
        - Fale então.
        - O carro deles virou. Na ponte que fica entre Cary e outras cidades ao norte. Não restou nada. – ela parou para respirar. Sentiu o peito dele se movimentando lentamente, conforme ele também respirava – Os policiais bateram à nossa casa quando era pouco mais de meia noite. De acordo com eles, papai devia estar alcoolizado. Mas papai não bebia quando trazia mamãe no carro. Nunca.
        Ele não sabia o que responder.
        - Disseram que... – Ruby continuou – Eles não sentiram nada. Mas eu não consigo acreditar nisto. Em meus sonhos, sempre os vejo sangrando enquanto tentam sair de dentro do carro amassado.
        - Isto é...
        - Horrível, eu sei.
        - Eu sinto muito.
        - E Ben se parece tanto com papai – ela murmurou, sorrindo por entre novas lágrimas.
        Novamente Jesse se viu sem palavras. Apertou-a com mais força.
        - Ah meu Deus – ela riu, enxugando suas lágrimas rapidamente enquanto soltava-se de seu abraço, embora nenhum dos dois quisesse se separar – Me desculpe por te chatear com isto tudo, Jesse...
        - Claro que não. Você é a garota mais interessante que eu já conheci em toda a minha vida. Nunca me chatearia, nem se quisesse.
        A quietude se espalhou por entre os dois. Ambos pensaram que Jesse diria algo primeiro, mas foi Ruby quem quebrou o silêncio.
        - Você quer passear?
        - Claro.