
As palavras dele foram acompanhadas pelo silêncio da dúvida de Benjamin.
- Não vou com você – o menininho disse por fim, decidido.
- O quê?
- Você levou minha irmã! E vai me levar também.
- Claro que não vou, Ben! – Ele exclamou, exausto, passando as mãos por sobre os olhos. – Eu e Ruby passamos uma hora procurando você pela chuva. Ela estava desesperada quando eu voltei para casa.
O menino ergueu os dois grandes olhos azuis para o mais velho dos três que estavam naquela sala. Jesse Hooper estava cansado. Ele parecia cansado, parecia mal-humorado. Mas não se parecia com um seqüestrador. Ou com um mentiroso.
A mente dele também estava limpa.
- Tudo bem... Eu vou – ele murmurou de modo relutante. – Mas Dan vai com a gente.
- Pode ser – Jesse deu ombros, dando meia volta rapidamente, e indo em direção à porta principal da casa dos Hooper. Abriu-a com um ranger suave, e o vento gélido e úmido da noite adentrou a casa, batendo contra a face dos três rapazes. Benjamin abraçou a si mesmo no imenso casaco que Daniel havia colocado sobre ele, em uma vã tentativa de se aquecer.
A chuva caiu por sobre os três como um fino véu. Eles apenas perceberam o quão encharcados estavam ao chegar do outro lado da rua, diante da porta da casa das irmãs Ward. Novamente, a chuva caía com um rugido, que os impossibilitava de ouvir os gritos que evidentemente ecoavam por dentro das paredes daquela casa. Apenas ouviam palavras entrecortadas, como ‘Irresponsável’ e ‘Benny’.
Ao ouvir a menção de seu nome, o próprio garotinho se adiantou. Reconheceu a madeira branca da porta de sua casa. Reconheceu a fechadura de bronze, e reconheceu o barulho que a campainha fez, quando Jesse a apertou.
A porta se abriu, instantes depois, bruscamente. Os três encararam as duas figuras idênticas que surgiam diante deles. Daniel sorriu e corou ao ver Roxanne novamente, e Jesse encarou Ruby de um modo preocupado.
- Ben! – a mais velha das gêmeas guinchou, estendendo os braços para o garotinho. Ele se desfez do imenso casaco de Daniel, jogando-o no chão atrás de si, e correu em direção à Ruby. A havia encontrado.
- Ben! Oh meu deus, Ben! – Roxanne exclamou, com algumas lágrimas descendo copiosas por sobre suas bochechas. Ela se abaixou e o garoto soltou-se de Ruby por alguns instantes, indo abraçar sua outra irmã preferida.
- Obrigada! Obrigada por encontrá-lo. – Ruby exclamou, erguendo-se novamente e dando dois longos beijos em ambas as bochechas de Daniel. O rapaz corou mais uma vez, e ela se adiantou para Jesse. – Obrigada.
- Não precisa agradecer. Venha cá.
Ele passou as mãos pelas costas dela, e a trouxe para si. Foi o melhor abraço que a garota já havia recebido. Melhor que qualquer abraço de suas irmãs, melhor que qualquer abraço de seus pais. Melhor que os abraços de James.
- Estou cansado. – Benjamin ofegou por entre os braços de Roxanne. Ruby soltou-se de Jesse lentamente, e pegou o garoto no colo com carinho. Nunca mais o deixaria escapar de seus dedos daquele modo.
- Vamos, eu vou te colocar na cama.
Ela deu alguns passos em direção à grande escada que se estendia diante dos cinco presentes naquela sala, com Ben aninhado de modo sonolento contra seu peito, e se virou.
- Jesse... Posso falar com você em particular?
Nenhum dos presentes esperava aquilo. Daniel olhou para Ruby e então para Jesse, com um semblante confuso passando por seu rosto. Roxanne olhou para a irmã por sobre o ombro direito, como se houvesse acabado de ver uma assombração. Jesse olhou para ela, apontou para si mesmo e ergueu as sobrancelhas, como se houvesse mais alguém naquela sala chamado Jesse, e como se ele tivesse total certeza de que ela estivera falando com este outro.
- Claro. Hm... Já volto...
Ele passou ao lado de Roxanne, que se erguia lentamente diante de Daniel, e passou a mão pelo ombro dela. Trocaram um olhar consolador, e então ele andou em direção à Ruby, que já estava começando a subir as escadas em direção ao quarto de Benjamin.
Quando ele começou a subir as escadas, olhou por sobre seu ombro esquerdo e seus olhos se encontraram com os de seu irmão caçula. “Console-a”, o mais velho murmurou, sem fazer som algum. O mais novo revirou os olhos, enquanto o Jesse lhe lançava uma piscadela, virando-se em seguida para frente e subindo as escadas logo atrás de Ruby e Ben.
“Típico” Daniel pensou, fitando Roxanne por alguns instantes. Demorou um pouco para que ele percebesse que ela ainda chorava de modo silencioso, encolhida contra o vão da porta. Pensou no que poderia fazer sem se sentir culpado por estar abusando da fragilidade da menina.
- Ei... – ele murmurou. Roxanne ergueu os olhos.
Daniel estendeu um de seus braços e tocou com as costas de uma das mãos na face da menina. Limpou suavemente suas lágrimas, e sussurrou:
- Não precisa chorar mais.
- Eu achei que nunca mais o veria – ela soluçou, e mais lágrimas saltaram de seus olhos.
Daniel não percebeu o que estava fazendo, até que sentiu o corpo da garota contra o seu. Sentiu o coração dela, batendo de modo falho contra seu peito. A havia abraçado sem sequer perceber isto.
- Vai ficar tudo bem, Roxanne.
Ela gostava de como ele pronunciava seu nome completo.
- Obrigada, Danny. Obrigada mesmo. – ela murmurou, e sua cabeça recostou por sobre o ombro do rapaz. Ele corou furiosamente ao sentir a respiração calma da menina contra seu pescoço. E novamente, percebeu o que estava fazendo apenas alguns segundos depois.
Ele passou as mãos carinhosamente pelos cabelos lisos e castanhos da menina e parou para escutar um barulho contínuo que saía de seu peito. Acelerado. Assim como o que saía do peito dela. Passou uma das mãos pelo rosto da menina, e segurou-o com uma delicadeza incomum para Daniel.
Ele percebeu o que estava fazendo. Mas não parou. Puxou o rosto da menina lenta e levemente contra o seu.
- Estou interrompendo algo? – ouviram uma voz divertida e rouca, pertencente a Jesse. Logo ele apareceu com a cabeça perto do casal. Roxanne se separou rapidamente do rapaz, corando de modo intenso, e passando as mãos nos cabelos.
- Não, Jesse. – Daniel murmurou, com uma onda de mau-humor visível perpassando seu rosto. Cruzou os braços e recostou-se no vão da porta.
- Ah... Pois parecia que eu estava interrompendo algo.
- O-onde está Ruby? – a garota perguntou, ignorando a última frase de Jesse. Mantinha seu olhar fixo no chão, e suas bochechas não paravam de esquentar. O mais velho dos irmãos olhou divertido de um para o outro, e disse:
- Fazendo Ben dormir. Tiveram uma noite cheia hoje...
- É... – ela respondeu.
E um silêncio constrangedor se instalou. Dan e Roxanne não ousavam sequer se encarar. Estava muito claro para os dois o que teria acontecido, caso o irmão mais velho do rapaz não houvesse aparecido. Claro demais.
- Bom... Acho que temos que ir embora. – o caçula murmurou, coçando a cabeça de modo encabulado, enquanto fixava seu olhar em qualquer lugar que não o lembrasse dos olhos da garota. – Boa noite, Roxanne.
- Boa noite, Dan... Até mais, Jesse.
Jesse acenou rapidamente com a cabeça, dando as costas com o irmão, e descendo as escadas de cimento. Chegando em seu último degrau, ele se permitiu gargalhar, ao ouvir finalmente o estalido da porta se fechando atrás de si.
- E então... Você e Roxy, uh?
- O que tem? – o outro respondeu carrancudo, colocando as mãos dentro de seus bolsos do casaco. – Eu não entendo qual é a sua, Jesse. Como você me manda consolar a menina, e depois aparece assim, quando está evidente que algo iria acontecer?
- Você ficou bravo – ele gargalhou.
- Não fiquei.
- Quer que eu espere aqui? Vou olhar para lá, prometo. E você pode se despedir como quiser... – O mais velho murmurou, entre risos, enquanto apontava com o polegar para a porta que havia acabado de se fechar por trás deles.
- Jesse...
- Não, sério. Vou esperar aqui.
Dizendo isto, Jesse sentou-se no degrau úmido de cimento. A chuva violenta havia agora se transformado em apenas respingos. O céu estava incrivelmente escuro, sem nenhuma estrela, e também sem qualquer vestígio da lua.
- Não estou brincando, Jesse.
- É, eu sei. Eu também não.
- Vamos embora.
- Você vai falar com ela, ou eu vou ter que lhe arrastar até aquela porta?
- Eu não tenho nada para falar com ela.
- Nerd.
- Cretino.
- Vá logo.
- Não, eu vou para casa. – Daniel murmurou irritado, dando as costas para o irmão.
Parou alguns passos depois, e voltou, praguejando baixinho.
- Mudou de idéia?
- Não. Você está com as chaves.
- Sinto muito. Vá falar com ela.
- Vou dizer o quê?
- Bem... Vocês não precisam necessariamente falar.
Incrivelmente irritado, Daniel subiu os degraus ao lado de seu irmão. Fitou a porta de madeira diante de si por alguns instantes, pensando no que realmente falaria a ela. Mal sabia ele que Roxanne estava do outro lado da fina porta de madeira, recostada, e pensando no que poderia haver acontecido de Jesse não houvesse chegado.
Ele bateu à porta. Ela a abriu quase que instantaneamente.
- Danny? – ela piscou os olhos, sinceramente surpresa.
- Bem... Eu vim me despedir. Quero dizer, boa noite. É isto.
- Boa noite para você também... – ela ergueu as sobrancelhas, confusa.
- Bom... Então... A gente se vê.
Ele girou por sobre seus calcanhares, e antes que Roxanne fechasse totalmente a porta, ele a empurrou de volta.
- O quê...?
- Nosso encontro... – ele murmurou, corando – Ainda está de pé?
- Claro! – ela murmurou, com um sorriso brotando levemente em seus lábios.
Ele sentiu vontade de beijá-la.
- Bem... Então tudo bem. Boa noite.
- Boa noite.
Mais uma vez, ela empurrou a porta lentamente. Daniel deu meia volta e desceu o primeiro dos degraus de cimento, dando-se conta que seu irmão havia ido embora. Ele voltou mais uma vez e empurrou a porta que Roxanne mal havia recostado. Desta vez com mais força.
- O quê houve, Danny? – ela perguntou.
- Não fale – ele murmurou, segurando o rosto delicado da garota com as duas mãos, e pressionando lentamente seus lábios contra os dela.
Do outro lado da rua, diante da porta da casa dos Hooper, Jesse olhava por sobre o ombro e fitava seu irmão, que beijava Roxanne de modo ardente. Ele riu e empurrou a madeira da porta, que abriu com um rangido.
- E eu nem tranquei a porta. – ele murmurou para si mesmo, rindo e entrando em sua casa. – Dan, você pode ser um nerd completo, mas aprende rápido.